Alvorada desconsolada

Vem o sol passando pela janela

é hora

de ir embora

de deitar-se ao mar

de abandonar

os corações perdidos

passivos

adormecidos

passa pela janela e eu desespero

vem a noite morna

inverno estranho

inferno medonho

das estrelas poucas

das lembranças roucas

das angústias loucas

O azul se derrete em dourado

que se transmuta em piche breu

Quem sou eu?

pergunto ainda

Quem sou eu?

O corpo pede descanso

os ohos pedem repouso

as mãos pedem carícias

peripécias de cama e carne

nos vãos nas frestas na alma

Na noite os uivos e suspiros

meus e desconhecidos

O que tenho de meu?

nunca basta

nunca bastou

e é na noite

morna e escura

crua e dura

que eu pergunto

Quem sou eu?

Quem sou eu que caço em círculo

meus mesmos fantasmas de sempre

se sentam a mesa

tomam chá

pedem torradas Petrópolis

como se estivessem na Colombo

são íntimos

tão meus.

Não pedem licença

invadem minha ceia

me entopem as veias

fantasmas sem dó.

Quem sou eu?

Quem sou eu?

Saberão eles quem sou eu?

Me farto da noite morna

mas não há porta a se abrir

não há como fugir

não há modeo de fingir

até que volte o sol.

O jardim e o vento

O jardim meu
floresceu e fenesceu
morreu
pétalas que o vento leva
sementes que a terra nutre
jardim meu

No Morro da Urca
veja a flor tão bonita
semente que o vento levou
orgulho meu

a liberdade que o vento deu
fez tão bem
achou adubo
cresceu
madurou e virou flor

o cão vai
o cão volta

a areia da praia o vento carrega

a chuva não veio
não sinto seu cheiro
mas lembro seu cheiro

vou sempre lembrar
a vida ensina
ensinam a terra e o ar

na hora de recomeçar
o jardim meu

Cinzeiro

Fura a a fúria e fica

fingindo

fantasia o que é fatal

velha arapuca do sentimento

você já esteve lá

labirinto do cíclico coração maldito

saiu e olhou o céu

respirou, raciocinou, relaxou

mas era ilusão

miragem tola da arrogância

e continua preso

Não há como escapar

As cinzas repousam inertes

não são nada

apenas lembranças amargas de um cigarro ido

consumido pela primeira chama

o tabaco se faz fumaça

e fascina

inebria a seu modo todo seu

traz uma falsa sensação de bem estar

e por fim vira cinza

como a ilusão
Aprecie a dor da desilusão rasgando sua garganta
este dilacerar não permite escolhas

incríveis fragilidades humanas

inocentes fragilidades humanas

há apenas  cinzas de bem-quereres

pousadas ao léu no cinzeiro das vaidades