Vem o sol passando pela janela
é hora
de ir embora
de deitar-se ao mar
de abandonar
os corações perdidos
passivos
adormecidos
passa pela janela e eu desespero
vem a noite morna
inverno estranho
inferno medonho
das estrelas poucas
das lembranças roucas
das angústias loucas
O azul se derrete em dourado
que se transmuta em piche breu
Quem sou eu?
pergunto ainda
Quem sou eu?
O corpo pede descanso
os ohos pedem repouso
as mãos pedem carícias
peripécias de cama e carne
nos vãos nas frestas na alma
Na noite os uivos e suspiros
meus e desconhecidos
O que tenho de meu?
nunca basta
nunca bastou
e é na noite
morna e escura
crua e dura
que eu pergunto
Quem sou eu?
Quem sou eu que caço em círculo
meus mesmos fantasmas de sempre
se sentam a mesa
tomam chá
pedem torradas Petrópolis
como se estivessem na Colombo
são íntimos
tão meus.
Não pedem licença
invadem minha ceia
me entopem as veias
fantasmas sem dó.
Quem sou eu?
Quem sou eu?
Saberão eles quem sou eu?
Me farto da noite morna
mas não há porta a se abrir
não há como fugir
não há modeo de fingir
até que volte o sol.