Sem sentido

Me movimento lento em direção ao abismo
páro na beirinha
olho para baixo
mas não me jogo

Também as formigas seguem até o abismo
enfileiradas marciais
não parecem olhar para baixo
nem se jogam

Sento na beira do abismo
deixo o vento remexer meus cabelos
olho o horizonte lindo
me deixo levar pelas possibilidades

Se me jogo o que há de mais?
Não quero voltar para trás
Não quero voltar atrás
Mas continuo a olhar para ontem

Meus medos não me deixam
não consigo me soltar
pular

Poderia tantas coisas
planejei tantas outras
pelejei poucas
empaquei

burro empacado na beiradinha do abismo
há quem diga:
– Nem tão burro assim…

Um dia deixo de ser formiga
tomo peyote
viro lobo
águia
vôo

e nenhum abismo me fará parar
nenhum pudor me eclipsará
serei eu e eu
serei apenas eu.

Labirinto

Escuro
tateio
o breu

espero

sinal
caminho
guia

em vão

sorrio nervoso
eu sinto o cheiro
siga o cheiro!
siga o inebriante perfume!

Pare!

Pense
não pense
decida
espere

não sei.
ou sei?
não sei…

Idealizo a saída
mapeio tudo na mente
e a passos lentos
tímidos
implemento a pobre estratégia

no breu palpável do labirinto
não há escapatória na mente

é preciso

agir
quebrar as paredes
fazer entrar a luz

é preciso

não é fácil

Bicicletas e Tanques de Guerra

Nas estradas da vida,
entre campos de grama verde,
o ar limpo e a casa-grande,
há sempre pedras e buracos,
armadilhas imprevisíveis.

E, sem aviso,
surgem verdadeiras batalhas,
onde cada um luta contra si mesmo,
alter-egos desconfigurados,
caricaturas e desvios de si.

E contra cada um de nós
usamos diferentes armas,
deixamos de pedalar,
o acre odor de sangue aparece,
a vida nos transforma,
viramos tanques de guerra,
capazes de derrotar exércitos,
legiões desses espectros.

E vivemos em guerra,
matando como em todas as guerras,
atropelando todos,
com olhos abertos,
gozamos ao vencer.

E ao ironia é que a vida
é feita de batalhas
mas não é a batalha contra si a que importa.

Ao aprendermos a aceitar nós mesmos,
largamos o tanque,
e voltamos a andar para frente,
na boa e velha bicicleta.

Suspense no escuro

Onde está o suspiro?
No breu desmedido
as luzes das lampadas do prédio da frente
chapam na vista embargada.
Na vida embriagada pelas oportunidades
pelas verdades
pela pura realidade
pura puta fatalidade.
Estou incomodado

Qual suspiro?
Na solidão da cidade no mato
na beira da cidade ida
aonde há formas estranhas e vida
ninguém quer ninguém mais que si mesmo.
Não h’a suspiro.

O tempo leva meu sono embora e o cansaço fica.
E me arrasto vivo
fumo um cigarro
ainda estou vivo.
Um bagaço vivo.

Fechados os olhos nasce outro mundo
sem frestas ou lembrancas
sinais de fumaça
guiando por um caminho
zigue-zague.

Vai e volta.

E enfim…
Aparece o suspiro
que a vida não mais me trouxe.