Nos arquivos da consciência

Dilacerados papéis e letrinhas
mofados pelo tempo ido
lembranças vagueiam fantasmagóricas
horripilantes espectros de mim mesmo
nas frestas das janelas antigas da alma
passa um vento cálido de bafo
que sussura na nuca eriçada
palavrinhas e palavrões
nos arquivos da consciência

foi-se o tempo da brincadeira
das velas acesas e risos
da tremedeira epilética dos médiums
da inocência do mistério

Fie-te apenas em ti
que as horas se esgotaram
as memórias emboloraram
os amores escorreram
o sexo murchou

E na hora derradeira
ante o céu e o inferno
o diabo é o anjo que perdeu as asas

Sem destino

Sigo sem destino pelo mundo
sem caminho
sem trilha
sozinho

Todos estamos sós
mesmo acompanhados
a distancia entre a mudez e o som
é a palavra

A ponte entre nós
passa pelo movimento
da boca
dos olhos
da pele

capsulas de vida
casulos de amor
crisálidas de fé

amanhã será dia
mesmo estando eu noite
mesmo tardando a acordar
basta estar vivo

não basta estar vivo
para ser feliz

Quanto deixei para trás

Ceu azul
noite esscura
não importa a hora

Quanto fel
O muro está de pé
eu mesmo construí
e não deixei frestas
nem portas
nada

Se precisar passar
tenho que derrubar
deixar pra trás o peso
ou não terei forças

Despojar-me de tudo
e quando estiver nu
estarei só
e do outro lado
vida
mas estarei indefeso

Nunca mais quero construir muros
nunca mais defesas perdidas
livre-me do fel peregrinação
livre-me do fel