Claustro

Caindo veloz
sem braços
sem abraços
sem nada

amargos os frutos caídos
amargos os seres traídos

a noite acolhe serena
os anjos que se foram
as dores incessantes
perdidos sem encanto

a água turva afoga
pulmões alvéolos plenos
seco morto
seco seco

tomba sem corpo a alma
sem paz
sem fé
sem nada

Riozinho

Vou embora, Riozinho,
vou embora…
me abrace, me agrade
vou embora…

Sua benção Riozinho,
vou embora…
com uma mala e uma paixão
vou embora…

Deixo aqui meu coração
levo só muitas lembranças
deixo aqui meu orixá
e as areias do meu mar

Vou embora, Riozinho,
vou embora…
Mancho de lágrimas a emoção
vou embora…

Para um dia voltar
sem ter jamais deixado de te amar
para poder me jogar no mar
cheirar o verde da tua floresta
e ver a pacata beleza da tua lagoa
ofuscando a beata harmonia do teu redentor

Vou embora, Riozinho,
vou embora…
Que saudades! Que aperto no coração!
vou embora…

Sua benção, Riozonho
vou embora…
Ilumina minha vida e me faça voltar
para nunca mais
ir embora

8/8/1994

Angústia Glória Marasmo

As palavras escorregam
entram em mim
mel nos tímpanos
descem lentamente
rasgando
doces
lembrando

Mergulho tonto
na realidade
sim
sou eu
aqui estou

Suaves palavras
inesperadas
tão bem me fazem

nada de mais

ativam algo
no cerebro
cerebelo
um hormômio
feromônio
qualquer
que não
mais

conhecia

Que bom

lembrei.

Apenas palavras
de cheiros
de sabores
boas

palavras tuas
agora minhas

tão longe tão longe
eu as queria aqui

se foram
se perderam
tropeçaram
engasgaram
orvalharam
se foram

e tudo está ocre como no dia em que morreremos

Lembro

A brisa do mar invade as narinas
traz seu cheiro
sua maresia
Apago

Vôo ao ontem tão longe
não havia tempo
mas o tempo parava
durou o infinito
e foi só um segundo

Viajo calmo
contemplo a vida
que passou
mas não passou

A ferida se reabre
a cortina despenca
a platéia aplaude

ninguém entende nada
ninguém sabe o que houve

nem eu

Corro para não perder um segundo
corro para ver tudo
sem intervalos comerciais
sem intervalos

Sinto a areia entre os dedos
a brisa mexe em meus cabelos
estou aqui de novo

apenas eu

aqui

de novo

Sem sentido

Me movimento lento em direção ao abismo
páro na beirinha
olho para baixo
mas não me jogo

Também as formigas seguem até o abismo
enfileiradas marciais
não parecem olhar para baixo
nem se jogam

Sento na beira do abismo
deixo o vento remexer meus cabelos
olho o horizonte lindo
me deixo levar pelas possibilidades

Se me jogo o que há de mais?
Não quero voltar para trás
Não quero voltar atrás
Mas continuo a olhar para ontem

Meus medos não me deixam
não consigo me soltar
pular

Poderia tantas coisas
planejei tantas outras
pelejei poucas
empaquei

burro empacado na beiradinha do abismo
há quem diga:
– Nem tão burro assim…

Um dia deixo de ser formiga
tomo peyote
viro lobo
águia
vôo

e nenhum abismo me fará parar
nenhum pudor me eclipsará
serei eu e eu
serei apenas eu.